Depressão Infantil
Existe depressão na infância?
Sim, existe. E quanto mais precoce, mais difícil o diagnóstico, mas não menos importante. Os primeiros relatos de sintomas de desânimo e depressão em crianças surgiram no início do século XVII. Posteriormente, em 1946, Spitz e Wolf, e em 1960, Bowlby, descreveram um quadro em crianças menores de cinco anos que tinham sido separadas de seus primeiros “cuidadores” e enviadas para instituições. Este quadro depressivo foi caracterizado por choro fácil, as crianças recusavam a alimentar-se, diminuição do sono, e quando comparadas com as outras crianças da mesma idade, percebia-se um atraso na aquisição da fala, demoravam para sentar, andar, portanto, um atraso no que os médicos chamam de desenvolvimento neuropsicomotor. Esses autores chamaram esse quadro de Depressão Anaclítica.
Apesar dessas descrições, somente a partir do século XX, é que o diagnóstico de depressão na infância passou a ser aceito por especialistas. Anteriormente acreditava-se que por apresentarem uma imaturidade de estrutura de personalidade, as crianças e adolescentes não teriam estruturas mentais capazes de desenvolver depressão. Esta idéia tornou-se ultrapassada e desde a terceira edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais, DSM-III, em 1980, o item sobre diagnóstico de depressão abrange quadros na infância, adolescência e vida adulta, apesar de poucas considerações específicas em relação ao quadro na infância.
Estudos apontam uma prevalência de transtorno depressivo entre 0,4 a 2,5% na infância e adolescência, sem diferença entre os gêneros. Ou seja, em uma escola com 1000 alunos poderíamos encontrar entre 4 a 25 crianças deprimidas.
Muito embora as causas da depressão não sejam ainda conhecidas, sabe-se que não se trata de uma causa única, e sim, de causas multifatoriais. Dentre as possíveis causas arroladas para o desenvolvimento de um episódio depressivo sabemos que duas são preponderantes, a genética e o meio. A genética seria uma vulnerabilidade, que é transmitida de pai para filho que quando reunida com outras causas predispõe ao episódio. O outro fator, o meio em que a criança vive, por exemplo, períodos de estresse crônico (separação dos pais, abandono, nascimento de irmãos, brigas constantes entre os pais, por exemplo) desempenham um papel importante. É importante ressaltar que um dos fatores sozinhos não seria suficiente para desenvolvimento do transtorno, ou seja, é possível que crianças passem por situações adversas e não deprimam, pois não apresentam susceptibilidade genética.
Os transtornos depressivos em crianças e adolescentes podem apresentar características clínicas variáveis de acordo com a capacidade de a criança expressar seus sentimentos, o que, geralmente, associa-se à idade.
A maioria das crianças antes dos cinco anos pode não fazer uso adequado da linguagem para caracterizar os sintomas. Devemos, então, estar atentos para sinais não verbais. Esses sinais são a expressão facial, ou seja, a criança quieta que parece triste, sem brilho, embora às vezes não consiga reconhecer ou referir tristeza, podem sim estarem deprimidas. Outro sinal observável é relacionado à postura do corpo. Uma postura sempre encolhida, cabisbaixa pode ser notada. Dores freqüentes no corpo, principalmente barriga ou cabeça, insegurança, ansiedade de separação (cuja caractérística é um medo irracional de separação das figuras de ligação, geralmente um dos pais ou os dois), podem ser sintomas depressivos.
Mas então, como diferenciar dores corriqueiras, tristeza de um episódio depressivo? Primeiramente, não se faz diagnóstico de sintomas isolados. É preciso avaliar o quanto esses sintomas estão repercutindo no funcionamento da criança e também sua duração. O prejuízo no funcionamento pode ser avaliado pela perda de habilidades, ou qualquer indício de dificuldade de adaptação que não havia anteriormente, isto é, a criança que já dormia sozinha e passou a ficar mais insegura, voltou a urinar ou até defecar na cama/roupa, a depender mais dos pais para comer, trocar-se, falar e/ou agir de forma regredida, etc. A antiga máxima popular de que “criança que não brinca está doente” deve sempre estar em mente, pois o desinteresse pelas brincadeiras pode ser um sintoma importante de um episódio depressivo. Muitas vezes a irritabilidade e agitação levam a criança a brigar freqüentemente com irmãos e colegas, trazendo prejuízo social.
Em escolares, que são crianças entre 6 e 11 anos, devido ao desenvolvimento da linguagem, os sentimentos são expressos com mais clareza. Podem referir melhor sentimentos de tristeza, e mesmo ideação suicida. Porém, dores no corpo que levam a faltas escolares freqüentes podem continuar presentes nesta faixa etária. O fato de a criança estar inserida em um grupo é um facilitador diagnóstico, pois a escola é um ambiente em que o funcionamento da criança pode ser avaliado e comparado tanto com as outras crianças da mesma idade quanto com ela mesma. A deterioração do funcionamento é mais perceptível, tanto do “profissional” quanto do social. Em outras palavras, é mais fácil visualizar queda do rendimento rendimento escolar, geralmente, secundária a dificuldade de concentração, e pode haver alteração de comportamento, como brigas freqüentes com colegas ou isolamento social, alterações bruscas de humor e mesmo recusa em ir para a escola.
Outros sintomas possíveis são alterações de sono, às vezes apetite, que pode levar a criança a não adquirir o peso esperado, ou mesmo perder peso. Dentro do desinteresse por atividades, é importante ressaltar que às vezes, a criança continua brincando mas há uma incapacidade de sentir prazer com brincadeiras que antes eram prazerosas, parecem sem energia, como que precisassem de um esforço e tempo muito maior para concluirem os deveres. A fala pode adquirir um tom monótono, sem prosódia. Todos esse sintomas acima descritos podem apresentar-se piores em algum período do dia, geralmente, pela manhã.
Via de regra os pais e professores têm uma melhor percepção dos sintomas ditos de externalização, como irritabilidade, oscilações constantes de humor, resmungos e perda de interesse. Já sintomas ditos de internalização são melhores descritos pela própria criança, a saber, desesperança, ou seja, não fazem planos para o futuro ou acham que não vão melhorar. Idéias de culpa e de menos valia, por exemplo, referem a si próprios com caráter depreciativo, “sou burro”, “ninguém me ama”, “eu mereço sofrer porque sou uma criança ruim”, “ninguém gosta de mim”.
É importante lembrar que nos casos de depressão em crianças, geralmente, um membro da família, além da criança, também está afetado. Este fato pode influenciar o relato sobre o comportamento da criança, tendendo a por vezes hipovalorizar, por outras hipervalorizar os sintomas.
Claro que não é necessário que todos os sintomas estejam presentes. Mas, um número suficientemente importante que repercuta no modo de ser da criança e por isso demande atenção especializada.
É fundamental que pais e professores estejam atentos para estas mudanças de comportamento da criança para realização de um diagnóstico precoce.
E qual a vantagem do diagnóstico precoce?
A importância do reconhecimento e encaminhamento deve-se ao fato de que hoje dispomos de tratamentos eficazes e seguros para este transtorno, evitando assim a cronificação dos sintomas. Esta cronificação implicaria em menor aproveitamento das capacidades de aprendizado, dificuldade de socialização, baixa tolerância a frustações, o que repercute na auto-estima da criança, às vezes, definitivamente. Em casos mais graves podemos inclusive previnir tentativas de suicídio. Quanto mais tempo demorar para iniciar o tratamento, maiores as lacunas a serem preenchidas.
E como abordar a questão com os pais?
Primeiramente, é preciso livrar-mos dos preconceitos, tanto ao diagnóstico quanto ao tratamento. Em relação a medicação, nas últimas décadas, houve um aumento importante das prescrições de psicofármacos para crianças e adolescentes. Este fato é conseqüência do aumento do número de estudos, o que resultou em uma segurança maior em prescrevê-los. Algumas drogas como o metilfenidato usado no tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, realmente, podem ter sido usadas de forma inadequada, chegando-ser rotulada como a “droga da obediência”. O fato é, quando a criança tem o diagnóstico, seja ele qual for, a medicação quando bem indicada, é essencial ao tratamento. Por isso a importância de a criança ser consultada por um especialista, para receber tanto o diagnóstico quanto o tratamento corretos. Para depressão o tratamento envolve psicoterapia, e de acordo com a gravidade dos sintomas e o nível de prejuízo no funcionamento, a fármacoterapia.
Os pais mostram-se bastante resistentes a administração de medicação psiquiátrica. Todavia, em casos como pneumonia, diabetes, epilepsia, isso não acontece. Precisamos entender que o cérebro é um órgão como outro qualquer, e assim como os demais também adoece. Porém as manifestações de seu adoecimento se evidenciam através alterações do comportamento. Para trantornos psiquiátricos ainda temos a tendência de esperar que o quadro se resolva espontaneamente, de fazer vista grossa às alterações de comportamento, ou mesmo julgá-las como sendo alteração de caráter. Infelizmente ainda hoje temos muito preconceito em relação aos transtornos psiquiátricos, e a perpetuação deste preconceito é em parte decorrente ao desserviço prestado pelos meios de comunicação televisivos, os quais passam a imagem de castigo ou mau caratismo para a doença mental. Junta-se a este fato práticas anti-éticas dos psiquiatras em novelas. Então, quando se percebe alguma alteração de comportamento da criança temos constrangimento de dizer aos pais que ela precisa consultar um psiquiatra.
Torna-se fundamental, portanto, os educadores estarem cientes da sintomatologia e das repercussões na vida de uma pessoa resultantes de uma doença não tratada, para que sintam-se seguros para alertar os pais da necessidade de avaliação e dos benefícios do tratamento.
Dra. Andiara Maria Calado de Saloma Rodrigues
Médica Psiquiatra - Psiquiatra da Infância e Adolescência
CRM/GO 13132